quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aqui jaz uma quimera

A morte de um querido dói. É a ausência súbita, imposta, arbitrária e, normalmente, sem aviso prévio, daquele que, por algum motivo, tornou-se essencial. E perde-se a essência, perde-se a graça, perde-se o chão. Ficam a saudade e a dor eternas. Fica também uma grande frustração. Frustração pelos momentos que não mais poderão ser compartilhados, frustração pelos planos condenados a serem eternamente planos (ou talvez menos que isso). Frustração por não ter podido fazer absolutamente nada para evitar o pesadelo (nem mesmo ir no lugar do outro). A morte de um querido dói! Mas ela foge ao seu poder. E maior dor do que a dor da partida de um querido é a dor da morte daquilo em que se acreditava. E minha agonia agora é firmar-me como uma garota sem sonhos. Sem sonhos, com saudade, dor e frustrações. Na lápide: “Aqui jaz uma grande quimera”.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Berimbau Japonês e a Cítara Paraguaia

Era uma vez uma cítara. Uma cítara diferente das outras cítaras. E eu, que nunca fui muito sabida de música, me alegrei! A cítara era serena. Tão serena, quanto expansiva. Tão doce, quanto medonha. Tão ingênua, quanto perigosa. Tão libidinosa era essa cítara!

Mas essa cítara sorria. E isso me bastava! Era uma CÍTARA PARAGUAIA!

- Para o que???
- Paraguaia!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Máquina bizarra sem asas

O cérebro humano é uma máquina que se relaciona com o meio e interpreta-o. Dependendo do cérebro, do meio ou do humano esse processo pode ser bizarro. Mas, na verdade, não é bem disso que eu queria falar. Eu queria contar uma história. Uma história que fizesse o cérebro de Cecília funcionar como uma máquina que se relaciona com o meio e interpreta-o de forma bizarra. A história é a história de Geni! Mas, na verdade, não era bem essa a história que eu queria contar. Então, vou falar de Ícaro:



O corpo doía. A cabeça pesava. Os olhos estavam fundos, como quem parece não saber o que é sonhar há algumas noites. A boca abria em intervalos de tempo determinados por um modelo de progressão aritmética de razão -0,7 (segundos). Até que abriu e não fechou mais.

Ícaro já não se importava mais com nada. Nem com a carta de demissão que acabara de assinar, nem com o amigo que já não se importava mais com nada há algum tempo, nem com a barba que não parava de crescer, nem com a menina sagaz que desapaixonara-se, nem com a boca que não fechava mais, nem com as paredes do estômago que se destruíam um pouco mais cada vez que pensava nisso tudo sem se importar com absolutamente nada. Nada mais fazia sentido sem as asas que o fizeram viver uma comédia divina.

Ícaro pensou que podia. Mas não...

Pensou que podia brilhar. Pensou que podia se vender facilmente, sem dor. Pensou que podia comer pastéis de feira diariamente. Pensou que podia abraçar o mundo. Pensou que podia calcular em poucos segundos aquela progressão aritmética que resultava, agora, em uma tremenda dor no maxilar. Mas não!

Ele correu até a janela, olhou bem para as nuvens, olhou bem para o sol, e quis gritar. Mas pensou: "em boca fechada não entra mosquito"! E calou-se... Em vão!



A história de Ícaro acaba assim. Meio que sem acabar. É que, na verdade, não era bem isso que eu queria dizer à Cecília com o intuito de fazer o cérebro dela relacionar-se com o meio e interpretá-lo, como uma máquina bizarra. O que, de fato, eu queria gritar à Cecília – sem asas e com a boca bem aberta, como Ícaro - era:

- Kriola! Eu quero é mocotó!